(Mestre Deshimaru com um aluno)
Várias pessoas têm colocado questões e duvidas sobre esta estranha relação na abordagem do ensino das artes de origem oriental em geral, e do Budo e do aikido em particular. Textos anteriores expõem alguns pontos de vista, contraditórios talvez, insuficientes, mas ilustrativos das experiências particulares de cada um.
Eu não tenho nada para contar. Eu vou, olho, as coisas me surpreendem. (Henri Cartier-Bresson)
O mais importante nesta relação professor/aluno, que é uma relação particular, única, pessoal, é a confiança.
A confiança do aluno em si mesmo e a confiança do professor para ensinar.
Mas esta confiança não é uma relação cega. O Aikido não é uma ginástica espiritual para acalmar a mente e pacificar o corpo. Ambos, professor e aluno, têm que estar possuídos de uma inquietação permanente, de um querer saber fazer, de um descobrir, de um procurar contínuo, que questione as suas próprias práticas.
Evidentemente, cada um faz o seu trabalho. O professor mostra, exemplifica, sugere uma direcção a explorar e o aluno trabalha, imita e repete, sem imitar nem repetir; procurando, no início, a forma e já o conteúdo também. E trabalha-se, assim, desta forma, a si mesmo.
Mas o aluno não pode esperar que seja o professor a fazer o seu próprio trabalho, não se pode andar de estágio em estágio, de professor em professor, de mestre em mestre, procurando aquilo que não se procura verdadeiramente em si próprio, no trabalho diário e quotidiano do dojo, de cada um, de si mesmo.
Do mesmo modo não cabe ao professor resolver todas as dificuldades dos alunos, encontrar as respostas que só a experiência do aluno validará.
Quando Dogen viajava pela China na procura daquilo que ele considerou mais tarde, as fontes do zen, deparou-se com o tenzo (cozinheiro) do templo daquele que viria a ser o seu mestre, Tendo Nyojo, e vendo este velho monge e secar cogumelos ao sol disse-lhe:
– Num grande mosteiro como o seu não haverá outros monges, mais novos, que possam preparar o jantar?
– Eu sou o tenzo, como poderia deixar que os outros o realizassem por mim?
– Mas, venerável monge, porquê um ancião teria que fazer uma tarefa tão cansativa, em vez de ler e estudar os sutras?
O velho monge começou a rir e disse-lhe:
– Os outros não são eu.
E, é sobre este: – os outros não são eu; isto é, sobre a impossibilidade de os outros realizarem a nossa própria, e única, experiência que se funda o zen, bem como a relação professor/aluno nas práticas de origem oriental.
O fundador do aikido escreveu umas quantas regras para a prática, que afixou no Hombo-Dojo de Tokyo. Uma das quais dizia: o ensino do teu professor constitui só uma pequena parte da tua aprendizagem, o teu domínio de cada movimento dependerá, quase inteiramente, da prática individual, seriamente realizada.
Um mestre zen contemporâneo, o monge Kosen, herdeiro do Dharma do mestre Taisen Deshimaru, num dos seus kusen (ensino oral durante o zazen) disse, a verdadeira prática do zen não necessita explicações… seria como querer explicar o que é o amor, poder-se-ia falar toda a noite… o melhor é mostrar como se faz… e depois cada um pode entender por si próprio. Quando se começa a prática, mostra-se a postura, com o que cada um recebe dos seus pais, com o que cada um tem, começa a prática. Ao princípio é difícil; mas a vida, a morte, tudo isso é muito difícil e aqui agarramos tudo isso entre as mãos e paf… (mãos em zazen).
Com paciência tudo isso se transforma. Cada um transforma-se a si próprio (o seu karma), a sua vida e ao mesmo tempo a sua família, o seu país, o mundo inteiro.
Mas não é uma prática egoísta. É uma transformação sem palavras… inconscientemente.
(artigo de Manuel Simões)